Pesquisas recentes em psicanálise
Folha de São Paulo -05/10/2008 - A psicanálise intensiva, a "cura pela fala" enraizada nas idéias de Freud, pode estar sob ameaça numa era de tratamentos farmacológicos e pressão por eficácia financeira da assistência médica. Mas cientistas estão relatando agora que ela pode ser eficiente contra alguns problemas mentais crônicos, incluindo a ansiedade e a personalidade limítrofe.
Em uma revisão de 23 estudos sobre esse tipo de tratamento envolvendo 1.053 pacientes, os pesquisadores concluíram que essa forma de terapia, mais intensiva, aliviou sintomas dos problemas com muito mais eficácia do que algumas terapias de curto prazo.
Em estudo na revista "Jama", da Associação Médica Americana, os autores emitem um alerta para que mais terapias "psicodinâmicas", como as definem, sejam testadas antes que acabem descartadas como meras curiosidades históricas.
A revisão no "Jama" foi a primeira do tipo para psicanálise a aparecer numa revista técnica médica de alto impacto, e os estudos nos quais o novo artigo se baseia não são muito conhecidos dos médicos em geral.
Por muitos anos, nos EUA, esse campo tem resistido ao escrutínio científico, sob alegação de que o processo de tratamento é altamente individualizado e, portanto, não se presta a esse tipo de estudo. O tratamento se baseia na idéia de Freud segundo a qual sintomas estão enraizados em conflitos psicológicos subjacentes, que podem ser descobertos por meio do relacionamento próximo paciente-terapeuta.
Atenção intensa
Especialistas alertam que a evidência citada na nova pesquisa ainda é muito escassa para uma alegação clara de que a terapia psicanalítica é superior a outros tipos de tratamento, como a terapia cognitiva comportamental, de curto prazo.
"Mas essa revisão certamente parece contradizer a noção de que terapias cognitivas ou outras de curto prazo são melhores que quaisquer outras", diz Bruce Wampold, psicólogo da Universidade de Wisconsin. "Quando bem feita, a terapia psicodinâmica parece ser tão eficaz quanto qualquer outra."
Os autores da revisão -Falk Leichsenring, da Universidade de Giessen, e Sven Rabung do Centro Médico Universitário de Hamburg-Eppendorf, ambos na Alemanha- consideraram só estudos nos quais a terapia analisada tinha pelo menos duas sessões por semana e duração maior que um ano.
Os cientistas examinaram os estudos que seguiram pacientes com diversos problemas mentais, dentre os quais depressão severa, anorexia nervosa e transtorno da personalidade limítrofe -caracterizado por medo de abandono e surtos de desespero e carência.
A terapia psicodinâmica "mostrou efeitos de tratamento significativos, grandes e estáveis, que até aumentavam significativamente entre o fim do tratamento e a avaliação", disse Leichsenring.
A revisão, contudo, não encontrou correlação entre a melhora dos pacientes e a duração do tratamento. Mas eles de fato melhoraram, e os psiquiatras afirmaram que ficou claro que pacientes com problemas emocionais graves e crônicos se beneficiavam da atenção próxima, freqüente e perseverante dos psicanalistas.
"Se definirmos a personalidade limítrofe de modo amplo, como uma incapacidade de controlar emoções, ela se aplica a muitas pessoas que aparecem nas clínicas e são diagnosticadas com depressão, bipolaridade pediátrica ou vício em drogas", diz Andrew Gerber, psiquiatra da Universidade Columbia, Para alguns pacientes, diz, "esse estudo sugere que a terapia de longo prazo é necessária para a melhora durar".
Freud no "Jama"
Alguns psicanalistas ficaram mais surpresos com a publicação que veiculou o estudo do que com o resultado do trabalho. Artigos de revisão no "Jama" e em outras revistas médicas costumam analisar centenas de estudos, enquanto a revisão de agora tinha só 23. O trabalho de Leichsenring é encorajador, dizem, mas é também sinal de que muitos outros estudos precisam ser feitos.
Barbara Milrod, psiquiatra do Weill Cornell Medical College, que também adota terapia psicodinâmica, afirma que mais pesquisas são cruciais para a sobrevivência dessa linha como um tratamento válido.
"Vamos cair na real", diz. "Os grandes centros médicos estão encerrando os programas de treinamento psicodinâmicos porque não há uma base de evidências adequada."
Autor: Desconhecido
Fonte: Jornal Folha de SP